"SE MEU FILHO PUDESSE CONTAR SUA HISTÓRIA SERIA ASSIM!"


Meu nome é Leonardo Sanderi Monteiro e eu vou contar a minha história.
Um belo dia um rapaz e uma moça se conheceram, se apaixonaram, se casaram e tiveram um filho, “não necessariamente nessa ordem”. Entre namoro, noivado e casamento este casal conta hoje com 27 anos de união e, por mais incrível que possa parecer, ainda estão juntos, e agora com dois filhos. Altos e baixos, “com certeza”. Discussões, preocupações, dúvidas, insegurança, mas muitas alegrias também. Muitos momentos de felicidade, de conquistas, de esperança e de busca. Incessantes buscas... por respostas, por culpados, por soluções, por entendimento, por força, por discernimento, por sabedoria, enfim, busca por paz interior.
Antes de se casarem, minha mãe descobriu que estava esperando bebê, ou seja, “EU". Foi muito difícil para ela, apesar de ela já ter completos 21 anos quando engravidou e 22 quando me deu à luz. O meu avô era um homem muito conservador e bravo também, minha mãe temia por sua reação, por isso me escondeu até o 6º mês de gravidez. É claro que todo mundo já tinha percebido, menos o meu avô. Ou fez não perceber a espera de uma explicação. A explicação veio no dia do velório de minha bisavó. Dizem que ela era muito sábia, tenho a impressão que ela sabia da minha existência, mas nunca sequer tocou no assunto, não a conheci, mas gostaria muito de tê-la conhecido.
Minha mãe vem de uma família cristã e, com certeza, o que aconteceu foi por pura inocência e falta de informação. Mas isso não vem ao caso, o que interessa é que eu estou aqui. Minha mãe sentiu-se aliviada após ter contado para o meu avô da minha existência, foi quando, segundo ela, sua barriga da noite para o dia cresceu. Todo mundo estranhou, porque alguns que ainda não haviam percebido chocaram-se ao ver aquela barriga exposta, enorme, pois faltavam apenas 3 meses para eu nascer.
Apesar de ter escondido a gravidez, minha mãe fez o pré-natal direitinho, conforme manda o figurino, e, de acordo com a doutora, estava tudo bem conosco. Ela até fez uma previsão e sugeriu alguns nomes: Natalício ou Natalino, pois viria no natal. “Na mosca”!
Aos 25 de dezembro de 1985, eu nasci pesando 3.750kg e medindo 51 centímetros. Segundo a minha mãe, eu já era lindo desde recém nascido. Infelizmente minha mãe não foi muito feliz no parto. Quando começou a sentir as dores, entre as 5 e 6 horas da manhã, minha mãe começou a arrumar minhas roupinhas e esperava ansiosa pela minha chegada. Às 11 horas e 30 minutos, minha mãe, não agüentando mais as dores, pediu que meu pai a levasse ao hospital. Porém, no primeiro hospital, examinaram-na e mandaram-na embora, dizendo não ser para aquele dia, pois ela não tinha dilatação, nem sequer a internaram. Ao sair do hospital, minha mãe sentiu sua bolsa romper. Voltou para casa, tomou um banho, se trocou e pediu que meu pai a levasse a outro hospital, pois as dores estavam cada vez mais intensas e mais frequentes.
Neste outro hospital, minha mãe foi examinada novamente, tendo o mesmo diagnóstico, sem dilatação. Mas, pelo menos, vendo o sofrimento dela, a enfermeira que a atendeu resolveu interna-la para observar de perto o processo todo. Agora já eram 12 horas e 30 minutos da tarde e, a enfermeira disse que o bebê nasceria lá pelas 18 horas da tarde.
Minha mãe, à época, não tinha convênio e nem dinheiro para pagar particular, e então se sujeitou a ser atendida por plantonistas, uma vez que a sua doutora, (aquela que fez o pré-natal), não era obstetra, e somente lhe falou isso às vésperas do meu nascimento. Tudo bem, médico é médico, vamos lá. Mas, por ser natal, o médico plantonista não se encontrava no hospital na hora que chegamos, ele tinha saído para o almoço, tudo bem, segundo a enfermeira, ele retornaria às 14 horas e eu estava previsto para chegar às 18. Só que não foi o que aconteceu. Minha mãe começou a ter contrações cada vez mais fortes, mais fortes, mais fortes... e a dilatação nada. Segundo meu pai, seu braço já estava arroxeado de tanto a minha mãe apertar e morder. A minha tia que chegou para ver se meu pai precisava de alguma coisa, apavorada disse que nunca iria ter filhos na vida. Vinha uma enfermeira examinava e dizia: não está na hora ainda. Vinha outra enfermeira examinava e repetia: não está na hora ainda e assim sucessivamente, até que uma delas resolveu aplicar uma injeção (até hoje minha mãe não sabe do que se trata tal injeção), mas foi automático, assim que a injeção foi aplicada, a enfermeira disse: vamos levá-la, agora está na hora.
Na sala de parto, onde não foi permitida a entrada de ninguém, minha mãe sofreu ainda mais um pouco, eu fazia força para sair, mas não tinha espaço. Confesso que não foi somente a minha mãe que sofreu. Pensei que não veria a luz, pensei que morreria antes mesmo de nascer. Deus! Como foi difícil. Mas nós conseguimos. Eu saí. As enfermeiras me levaram para outra sala, onde me aspiraram e tentaram me fazer respirar. Fizeram os procedimentos devidos, pois eu nasci sem chorar e não tinha ar, estava totalmente roxo. Segundo a minha mãe, fomos atendidos apenas por enfermeiras, não tendo um médico obstetra e sequer um pediatra assistindo ao parto. Mas, graças a Deus, deu tudo certo. Quando o médico chegou, eu já estava vestindo um lindo “tip top” azul, que minha mãe havia comprado exclusivamente para aquele momento.
O médio examinou-me, testou meus reflexos, e, segundo ele, estava tudo normal. E, aparentemente, tudo transcorreu normal até os meus quatro meses de idade. Foi então que a maratona começou...
Quando eu tinha quatro meses de idade, minha mãe percebeu que eu fazia algo diferente. Era algo que ela não sabia explicar direito, mas sabia que não era normal. Ela conta que eu colocava os braços para frente e sorria, como se eu estivesse pedindo colo, ou querendo pegar alguma coisa, mas ela ficou encafifada com aquilo, pois, tratava-se de um movimento estranho. Mas enquanto eu ria, ela não se preocupou, apenas comentou com algumas pessoas que disseram ser normal. De repente, minha mãe percebeu que quando eu fazia aquele mesmo movimento, ao invés de eu sorrir, eu chorava. E como chorava! Eu passava horas chorando, irritado, não dormia, nada estava bom. Ela então começou a comentar com todas as pessoas que nos visitavam, mas ninguém acreditava nela. Foi então que ela resolveu levar-me ao médico. A sua esperança era de obter respostas rápidas e convincentes, mas não foi o que aconteceu. Passou por vários médicos que forneceram os mais diferentes diagnósticos, desde otite, amidalite, cólicas, até “pasmem”! “Cacoete de criança”. Minha mãe já estava desesperada, pois, para cada diagnóstico, com exceção do último, era dado um tratamento, sem efeito. Os sintomas continuavam, o choro continuava, os comentários continuavam, as dúvidas aumentavam, o desespero tomava conta. Minha mãe estava à beira de um ataque de nervos. Eu fui diagnosticado como epilético, inseriram um tratamento que me deixou praticamente em coma, eu só dormia o tempo todo, não acordando sequer para tomar banho. Os medicamentos que eu tomava eram como água, não faziam efeito em mim. E, consequentemente, as crises continuavam. Foi então, que aos nove meses de idade, um médico neurologista diagnosticou como “Síndrome de West”. Segundo ele, eu corria risco de vida, o meu caso era grave, e era tarde demais para fazer alguma coisa. Eu já estava com paralisia cerebral, devido ao diagnostico tardio. Daí para frente, nossa vida foi de casa para o hospital, do hospital para casa e sucessivamente. Eu tinha crises convulsivas diariamente. Várias, por dia, incontáveis. Minha mãe deixou o emprego de digitadora, e ficou cuidando de mim 24 horas por dia. Meu pai demorou um pouco mais para assimilar a idéia, mas sempre esteve do nosso lado. A minha vida foi um pouco diferente do que meus pais imaginavam. Fui o primeiro filho, eles eram inexperientes, e ainda tiveram de aprender a lidar com uma situação delicada. Os médicos pareciam não estar muito familiarizados com a síndrome, pois pareciam estar testando medicamentos, mas todos eram unânimes no diagnóstico. Segundo eles, as crises são de difícil controle e os danos são irreversíveis, mas, os inúmeros questionamentos de meus pais ficavam sem resposta.
Minha mãe queria saber: Ele vai sentar sozinho? Ele vai falar? Ele vai andar? Ele vai pra escola? Ele ouve bem? Ele enxerga bem? Ele entende tudo o que eu falo? E as respostas eram sempre as mesmas: Só o tempo dirá. Não existem previsões. O negócio é deixar o tempo passar. Deus sabe o que faz. Eu sempre fui uma criança sensível, debilitada e mais propensa a adoecer. Imagine que eu, em pleno século XX, tive febre tifóide[1], escarlatina[2], rubéola[3], sarampo[4], entre outros. Quadros de pneumonia[5] era uma constante em minha vida. Já não tinha mais antibiótico que surtisse efeito.
E minha mãe ali, firme e forte. Noites e noites eu a escutava orando, chorando e implorando por mim, pela minha saúde. Para que eu continuasse aqui, para que eu ficasse bem, para que ela tivesse forças para suportar o que tivesse por vir.
Quando eu tinha 9 anos, minha mãe me deu uma irmãzinha. Segundo a minha mãe, ela veio para ajudar. Desde muito cedo ela já se virava sozinha, ajudava minha mãe e me dar banho, me vestir, me dar papinha. Apesar dos meus 24 anos, eu ainda sou bebê. É claro que eu como com a minha mão, me lambuzo um pouco, mas ainda tomo mamadeira, e não me envergonho disso. Se você soubesse como é bom! Imagine só, a sua mãe te dando banho, te dando comidinha gostosa na hora, te dando denguinho todo tempo, te levando para passear, te levando ao médico, te dando remedinho na hora, enfim, te paparicando 24 horas por dia. É bom demais! E a minha irmã nem sente ciúmes, pelo contrário, ela também me paparica de vez em quando. Faz tempo que ela não me leva para passear de cadeira de rodas, mas toma conta de mim quando minha mãe não está. Hoje ela tem 15 anos.
É, parece que Deus providencia tudo mesmo. Escreve direito por linhas tortas. Eu não sei se fui eu que escolhi a minha família, há quem acredite que sim, mas se não fui eu, com certeza quem escolheu, o fez muito bem. Pois se eu pudesse escolher, escolheria exatamente esta. Minha família é indescritível, meu pai, minha mãe, minha maninha, todos enfim, sem exceções. Eu tenho tudo de que preciso, e eles sempre fizeram o máximo para me ver feliz. Eu agradeço a Deus pela minha família. Agradeço a Deus por ser assim. Agradeço a Deus por estar aqui. Agradeço acima de tudo a oportunidade de ter amigos e saber o quanto sou importante e querido, apesar de minhas limitações.
Eu sempre fui uma incógnita, mas Deus também o é! Eu me sinto abençoado e mais abençoada ainda é a minha família, que sempre compreendeu o destino que Deus traçou e vive intensamente cada momento de nossas vidas. Eu posso dizer de coração que “Sou Feliz”!!!
PS: Eu, com minhas limitações, jamais poderia ter escrito o que acabaste de ler. O texto foi escrito pela minha mãe, que como todas as mães sabe exatamente o que se passa no pensamento de um filho! Amo a minha mãe acima de qualquer coisa!
Leonardo Monteiro
[1] Doença infecciosa causada pela bactéria Salmonella typhi. É considerada uma doença grave onde apresenta constante febre, alterações intestinais, aumento das vísceras e se não tratada pode ocorrer uma confusão mental e levar à morte.
[2] Enfermidade aguda, infecciosa e contagiosa, provocada pela bactéria Streptococus scarlatina. Caracterizada pelo aparecimento de feridas, inflamação da garganta, febre, pulso acelerado e descamação da pele. Atinge crianças entre os cinco e dez anos (mais frequente em meninos) e suas epidemias são mais comuns no outono e na primavera. As complicações na fase aguda da doença resultam da disseminação da infecção estreptocóccica a outros locais do organismo, causando, por exemplo, otite, sinusite, laringite, meningite, etc.
[3] Rubéola é uma doença infecto-contagiosa causada pelo Togavírus. Sua característica mais marcante são as manchas vermelhas que aparecem primeiro na face e atrás da orelha e depois se espalham pelo corpo inteiro. O contágio ocorre comumente pelas vias respiratórias com a aspiração de gotículas de saliva ou secreção nasal.
[4] O sarampo é uma doença viral, infecto-contagiosa. O contágio acontece através de secreções respiratórias. Os indivíduos expostos podem adquirir as infecções através de gotículas veiculadas por tosse ou espirro, por via aérea, podendo as partículas virais permanecerem por tempo relativamente longo no meio ambiente. A transmissão inicia-se antes do aparecimento da doença e perdura até o 4º dia após o aparecimento da erupção. Antes da existência da vacina, o sarampo era considerado uma doença incurável. O período de incubação, geralmente, é de 8 a 12 dias.
[5] A pneumonia é a inflamação dos pulmões, mas especificamente dos alvéolos, local onde ocorrem às trocas gasosas, devido à infecção causada por bactérias, vírus, fungos e outros agentes infecciosos ou por substâncias químicas. Na pneumonia os alvéolos se enchem de pus, muco e outros líquidos, o que impede o seu funcionamento adequado. O oxigênio pode não alcançar o sangue, e se existe oxigênio insuficiente no sangue, as células do corpo não funcionam adequadamente. Por esse motivo, e pelo risco da infecção se espalhar pelo corpo, a pneumonia pode ser fatal.

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